terça-feira, 22 de janeiro de 2019

UrGentes

sou dessas gentes urgentes
que salpicam a areia no tapete
que bebem da garrafa

sou dessas gentes urgentes
que quando ouve a grita geral, se cala
e quando não há mais nada, convoca uma revolução

sou dessas gentes urgentes, que da soma de seus catetos é que o círculo se fecha

sou dessas gentes urgentes
que cai do cavalo para de novo cavalgar

sou dessas gentes urgentes porque a vida não tá em canto nenhum enquanto pulsar meu coração
é aqui, na urgência de minhalma, que todo canto se faz em som, fúria e paixão

sou dessas gentes urgentes, que se corta com a faca e com a faca se casa

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Come meu juízo

Pouca gente sabe como padece um escritor
o juízo sendo devorado lentamente
pelas histórias que ele não contou

elas ficam aí pelo seu mundo interior
mastigando seu cérebro
comendo seu juízo

é um filho que se pare a ele mesmo
tem a hora certa de nascer
e só ele sabe, ele, a História, o filho

o juízo vai ficando deste tamainho
é um sofrimento da gota
(mas é bom)

e você pensa naquela história 24h por dia
e nunca é uma história só, nunca
então do juízo que já é pouco
sobra quase nada pros outros setores da vida

quando a história ganha o mundo
o escritor ganha um pouco de vida
que vai ser consumida logo depois
por outra história que vai cair pra dentro dele

vai morar nele, fazer terror, vai bagunçar o coreto,
vai expulsar ele próprio de sua casa

mas o escritor gosta disso, ele não tem escolha
e ele acaba morando nessa bagunça
não tem quase espaço pra ele
mas ele não faz questão de arrumar
ele gosta

ou seja, história, pode entrar!

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

a bela flor do caos

Tu és a bela flor do caos
Alimentada a água e pimenta de cheiro
Tens a vida pulsando em teu puro vermelho
Quando sorris, tua boca dá a volta no mundo
Os pássaros, as gentes, os dinossauros
Trazes em tua seiva a incompletude dos seres
És divina
És rasteira
És um arremedo de qualquer coisa bela que grita:
Coragem!
Coragem, aquela coisa que quanto mais se gasta, mais se tem
Segue adiante
Olhe pra trás
Derrame-se em sal na terra
Dê vida
Volte flor
És amor
Vibra
E vibre ainda mais
És forte flor
Feita de espinhos, perfume e cor
És, sou
Flor

sábado, 5 de agosto de 2017

você não sabe o que é isso, irmão

você vai se preparando a vida toda para ser jornalista para contar a história
você nasce para isso ou não
é tinta que corre nas veias
são olhos de lince e de poeta
é um procurar constante
é amar todas as gentes
é amar
é dar seu sangue sua pele sua alma por isso
tem horas que ele te sulga
maldito jornalismo
tem horas que ele te regurgita um ser todo novo
é como se ele te desse mil vidas em uma
é uma coisa muito intensa visceral
na verdade
a hora que vc para para escrever uma história
ela já está escrita
ela só vai pedir licença
abrir a porta
vai sair pela vida
poucos sabem o grau de escravidão a que um escritor se sujeita
seu coração manda nele
suas lágrimas mandam nele
até uma tampa no chão caída vira poesia
tá vendo. até uma tampa manda nele
você não sabe o que é isso, irmão
você não sabe o que é isso
ver a vida pulsar o tempo todo
desaguar
e a vida pulsa, meu irmão
e você não sabe quanto, meu irmão
a vida mais que pulsa
ela te usa
te joga no chão
parte pra cima
você tá morto
ela não
a vida
fodida
e cada dia é uma vida diferente
ela vai te usurpando
comendo tuas forças, cuspindo na tua cara
te fazendo amor
difícil de largar
você vai sofrer mas vai pedir
e vai dar a cara a tapa uma duas três dez vezes
quantas vezes ela quiser, a vida
porque é isso mesmo
sua vida é da vida
não é sua
aceita isso, irmão
caminha, não olha pra trás
ou olha
não vai ter estátua de sal, camarada
não vai ter pódio de chegada
não vai ter nada


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

de esperanças e caminhos de poeira

é porque não há caminhos que aqui estou. o que há são tijolos, cimento e cal. trabalho. o que há é um sol que formiga a pele e me faz sentir. ou a chuva que reforça a lama. e aí vc me pergunta: o que foi feito de ti, tantos séculos depois? pergunta certa, pois a vida assim levou-me mais que minha juventude. te respondo com uma lágrima no olho esquerdo porque chorar num olho só é pecado dos indignos. te conto que perdi a volta para o paraíso, que saí por aí pescando sonhos e daí nada mais me aconteceu. e foi?, perguntas. te digo mais, agora só verdades: digo que encontrei o amor, mas ele deu a volta em mim, arrodeou, fez que ia não foi, voltou, entrou foi pela boca, que as entranhas é que são o lugar dele. te digo que me alimentei de poeira e poesia. te digo ainda que os adeus só valem quando se dá com a cara na porta, quando os correios devolvem as cartas e as ideias não conversam mais, mesmo distantes. te digo que o amor é uma esperança, um inseto delicado que só pousa em corações fortes. há que cuidar, sem apertar, sem deixar morrer.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

ficção de um dia de verdade

você não imagina o que é minha vida em A sustenido. tudo o que me acontece tem trilha sonora de orquestra, paisagens bonitas e ou degradantes e pessoas que falam falas de filmes. é que eu sou uma romancista, não dessas que escreve, mas dessas que vive mesmo. outro dia, peguei o ônibus errado, sacanagem de motorista. do outro lado, rio capibaribe, dia de sol e, na mão, um livro com a capa mais linda do mundo: meu destino é pecar, de suzana flag. eu, na ponte, pensando em suicídio, em matar o cachorro, em jogar o livro rio abaixo. matei o cachorro, me suicidei só depois, mas o livro ficou salvo. era um dia lindo para uma morte e ela estava ali, toda me querendo. o rio estava sujo, todo me querendo. mas o livro que seria salvo dizia: meu destino é pecar. e então não podia. nem rio, nem morte. pensei que não tinha pecado o suficiente, mas que precisava conversar com nelson. procurei entre as estátuas dos poetas e escritores pernambucanos, que convivem conosco no recife antigo, e nelson não estava lá. tive que salvar o livro para conversar com ele por ali. conversa de olhos. nunca de bocas e ouvidos. nelson me salvaria. me diria: se joga, adelaide. apesar de meu nome não ser adelaide. nelson me defenderia: esquece, engraçadinha, e vai viver tua hipocrisia. finja que esse dia não houve. mas meu nome não é engraçadinha e eu não sou hipócrita.

 é, adoro quem assim se declara. entre um milhão de pessoas que se auto-declaram não hipócritas, existem um milhão de pessoas que não sabem o significado da palavra. 


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Um elefante colorido é uma coisa linda de se ver. A menos que ele esteja preso numa geladeira, dentro de uma sala apertada, sem conseguir sair de seu pesadelo.